Seja bem-vindo
Santos,05/12/2024

  • A +
  • A -
Publicidade

No poder há 40 anos, síndica do Edifício JK exige caução de R$ 4 milhões de concorrentes

Figura quase folclórica é chamada por alguns moradores de “Dama de Ferro do JK”.

O Tempo
No poder há 40 anos, síndica do Edifício JK exige caução de R$ 4 milhões de concorrentes Prédio é um dos mais tradicionais de Belo Horizonte e foi inaugurado em 1950 | Foto: FLÁVIO TAVARES / O TEMPO

    Quatro milhões de reais. Este é o valor da caução a ser paga por quem quiser se candidatar a síndico do edifício JK, no bairro Santo Agostinho, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. O valor foi imposto em 2020 pela síndica do condomínio, Maria Lima das Graças, que, neste ano, completou quatro décadas à frente dos dois prédios de 23 e 36 andares onde, segundo o Censo de 2022, vivem 999 pessoas. Segundo alguns desses moradores, a medida veio como forma de afastar qualquer concorrência e seria somente mais uma das “arbitrariedades” da mulher, chamada de “Dama de Ferro do JK”. 

    No início de outubro, o prédio desenhado por Oscar Niemeyer foi centro de uma polêmica após os moradores serem surpreendidos com a exigência de o condomínio ser pago com dinheiro em espécie. O problema com o pagamento já teria sido solucionado, com a volta da emissão de boletos para os moradores. 

    O TEMPO conversou com diversos moradores, que, temendo a abertura de processos na Justiça pela síndica, preferiram não se identificar. Eles contam que o receio vem do fato de que quem questiona a síndica acaba virando alvo de advogados do próprio condomínio. A situação é denunciada há pelo menos 20 anos, sendo assunto de diversas reportagens e até mesmo de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Porém, segundo as denúncias dos moradores, a exigência do cheque milionário para se candidatar a síndico aconteceu em 2020, quando um pequeno grupo de moradores se juntou para tentar colocar fim à hegemonia da síndica.


    “Esses moradores debateram por um ano para ter uma proposta consistente, buscando informações sobre o prédio, mas tudo de maneira autônoma, pois o condomínio não dá nenhuma informação para ninguém. Como que você tem uma chapa, mas não pode saber quantos moradores tem no prédio; não pode, por exemplo, mandar uma carta para as pessoas, pois aqui é proibido? Foi aí que ela colocou essa cláusula com a questão do cheque caução de R$ 4 milhões. Mas, apesar de ela ter ganhado, entre aspas, mais uma vez, ela mesma não pagou esse valor”, denuncia um dos moradores ouvidos. As aspas, segundo ele, se justificam porque a eleição não tem contagem de votos, já que é feita com base na “intensidade dos gritos” dos moradores presentes na assembleia.


    O TEMPO tentou contato com a síndica diversas vezes ao longo de outubro deste ano, não sendo possível localizá-la no edifício em nenhuma das situações. Nessa terça-feira, foi feita mais uma tentativa de contato, mas sem sucesso. Questionamentos também foram enviados para um e-mail indicado por funcionários, mas, até a publicação da reportagem, o condomínio não tinha se manifestado sobre as denúncias dos moradores.

    Após a publicação da matéria, já na quinta-feira (21 de novembro), depois de nova tentativa por telefone a reportagem conseguiu contato com o advogado Faiçal Assray. Por nota, o defensor afirma que a denúncia acerca da estipulação do caução é "caluniosa", uma vez que, segundo a defesa do condomínio, ela está prevista no Estatuto e em Ata aprovada em Assembleia do condomínio. "A síndica já está tomando as medidas legais para se ver reparada das acusações das matérias veiculadas. A exigência da caução nunca partiu dela", diz o texto.


    Acerca das denúncias de falta de transparência, o advogado Faiçal Assray diz que trata-se de informações "inverídicas". "Os números do condomínio  sempre estiveram à disposição (na forma da lei, e estatuto), inclusive sendo aprovados em Assembleia. Tais acusações são fruto de ambição política da oposição, que não tem votos para eleger o síndico da preferência da mesma. A síndica é reiteradamente eleita, por ter seu trabalho admirado e reconhecido pela grande maioria dos moradores", escreveu. 


    Por fim, sobre as acusações de "assédio jurídico" contra aqueles que questionam as ações da síndica, o defensor do condomínio argumentou que qualquer calúnia, injúria e acusações inverídicas "podem e devem ser alvo de responsabilização judicial". "A oposição, que não tem votos, se deseja não responder por seus atos, deveria moralizar sua conduta", conclui a nota. 


    Condomínio arrecada R$ 700 mil por mês


    Com 30% de seus 1.103 apartamentos vagos e um condomínio que pode variar de R$ 260 a cerca de R$ 1.400, a administração do edifício arrecada cerca de R$ 700 mil todos os meses. Segundo outro condômino ouvido por O TEMPO, uma questão muito questionada por eles é a falta de transparência. “Não há reuniões, não temos acesso à prestação detalhada das contas, então não sabemos em que o dinheiro é gasto. A prestação que existe é uma folha afixada na entrada dos dois prédios que diz a arrecadação total e o valor das despesas com funcionários. Mas não sabemos quantos funcionários são, quanto eles ganham, nada”, pondera outra moradora, que chegou há poucos anos ao condomínio.


    “É muito dinheiro, e a gente não vê sendo aplicado. Tem um elevador que não funciona há quase dez anos; os outros toda hora estragam. Vivo aqui com medo, pela falta de manutenção”, pontua um morador.


    Especialista diz que exigência pode ser considerada abusiva


    O advogado especialista em direito imobiliário Marcelo Mantuano afirma que a exigência de caução de R$ 4 milhões para concorrer ao cargo de síndico pode ser considerada “abusiva”.


    “Isso só poderia ser exigido se estivesse expressamente previsto na convenção do condomínio, o que é pouco provável que esteja. Se não estiver, é uma exigência ilegal, que não pode acontecer, pois se torna uma barreira de entrada para todos os condôminos”, defende.


    Segundo ele, o máximo que pode ocorrer é o afastamento da candidatura de um morador inadimplente. “Fora isso, me parece uma exigência ilegal. Não é normal um síndico ficar 40 anos à frente de um prédio. É importante ter alternância até para não ficar aquela sensação de um síndico ser dono do empreendimento”, completa.


    Ele explica ainda que a exigência do pagamento do condomínio em dinheiro não é ilegal, mas não é razoável, já que a movimentação de grandes volumes de dinheiro em espécie é até mesmo restrita pela legislação do Banco Central. “Manejar grandes recursos dificulta justamente a prestação de contas, que é um dever do síndico”.


    O promotor Fabrício Costa Lopo, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), explica que o órgão só pode agir em questões que tratem da preservação do projeto arquitetônico original de Oscar Niemeyer e a segurança dos moradores. “Mas não há nada que impeça os moradores de formar um grupo de inconformados para procurar o Poder Judiciário sobre a situação”, diz. A Polícia Civil informou que, com base nas informações repassadas, não foi possível localizar registro de ocorrência policial relacionado ao nome da síndica.




COMENTÁRIOS

Buscar

Alterar Local

Anuncie Aqui

Escolha abaixo onde deseja anunciar.

Efetue o Login

Recuperar Senha

Baixe o Nosso Aplicativo!

Tenha todas as novidades na palma da sua mão.